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11h36

Derrubada dos Vetos do Marco Temporal

Lei Federal nº 14.701/2023: Demarcação de terras indígenas

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Com a derrubada da tese do marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF)  no julgamento do RE 1.017.365/SC, onde a Corte fixou as 13 novas condicionantes/teses aplicáveis às demarcações de terras indígenas, o legislativo reagiu e foi editada a Lei Federal nº 14.701, de 20 de outubro de 2023, que, após tramitação e aprovação pelo Congresso Nacional, teve 37 dos seus dispositivos (artigos integral ou parcialmente) vetados pelo Presidente da República.


Expressiva maioria do legislativo pela derrubada dos vetos

Em exame dos vetos presidenciais foram mantidos os vetos aos dispositivos que tratavam da (i) retomada de terra por alteração de traços culturais - § 4º do art. 16; (ii) indígenas isolados – art. 28; e (iii) transgênicos em terras indígenas – art. 30. Os demais vetos foram integralmente derrubados, com expressivo quórum constitucional, no Senado 53 votos pela rejeição dos vetos, contra 19 votos pela manutenção, na Câmara dos Deputados 321 votos pela rejeição e 137 pela manutenção dos vetos presidenciais.

 

O marco temporal instituído e seus requisitos

A Lei Federal nº 14.701/2023 regulamenta o art. 231 da Constituição Federal, dispondo sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas, tendo como elemento central o estabelecimento do marco temporal, que corresponde ao cabimento de demarcação das terras indígenas, dentre outras condições, quando a área já fosse ocupada ou em disputa consolidada, em 05 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, uma vez que o art. 231 da CF dispõe que: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

O art. 4º da mencionada lei definiu expressamente que “são terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros, aquelas que, na data da promulgação da Constituição Federal, eram, simultaneamente: I - habitadas por eles em caráter permanente; II - utilizadas para suas atividades produtivas; III - imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar; IV - necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. Esclarece ainda que a constatação destes requisitos deve ser feita de forma “fundamentada e baseada em critérios objetivos” (§1º), reforço taxativo de que “a ausência da comunidade indígena em 5 de outubro de 1988 na área pretendida descaracteriza” a habitação em caráter permanente, salvo o caso de renitente esbulho devidamente comprovado (§2º).

Ainda no art. 4º definiu o renitente esbulho como “o efetivo conflito possessório, iniciado no passado e persistente até o marco demarcatório temporal da data de promulgação da Constituição Federal, materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia possessória judicializada”, tornando incontroverso que nos casos em que isto não restar configurado, “a cessação da posse indígena ocorrida anteriormente a 5 de outubro de 1988, independentemente da causa, inviabiliza o reconhecimento da área como tradicionalmente ocupada”.

 

A motivação da nova lei vai além do marco temporal

Se o marco temporal é o elemento central da motivação da Lei Federal nº 14.701/2023, as demais questões disciplinadas por ela também são determinantes para se identificar que não se trata de uma norma editada para finalidade única, uma vez que disciplina/corrige pontos que fizeram, ao longo de décadas, o procedimento de demarcação de terras indígenas ser reconhecido como um dos mais dotados de insegurança jurídica, com o emprego de ampla subjetividade, relativização do contraditório, ampla defesa e devido processo legal administrativo, ampliação desmedida do papel dos antropólogos, elevados ao status de “plena soberania”, criando uma presunção – vizinha da certeza – de que os processos administrativos de demarcação se constituíram em mera formalidade, de um resultado previamente conhecido e, por vezes, direcionado; tudo dependeria da vontade do técnico (antropólogo) responsável pela elaboração do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID), sem a observância de parâmetros legais mínimos.

Se verifica tal contexto (de uma legislação mais coesa) em questões como o disposto no art. 4º, §7º, que determina que “as informações orais porventura reproduzidas ou mencionadas no procedimento demarcatório somente terão efeitos probatórios quando fornecidas em audiências públicas, ou registradas eletronicamente em áudio e vídeo, com a devida transcrição em vernáculo”, que ficavam até então na presunção de uma praticamente fé pública dos antropólogos.

De igual forma, o art. 6º, que dispõe sobre a necessidade do contraditório e ampla defesa em todo o processo – “Aos interessados na demarcação serão assegurados, em todas as suas fases, inclusive nos estudos preliminares, o contraditório e a ampla defesa, e será obrigatória a sua intimação desde o início do procedimento, bem como permitida a indicação de peritos auxiliares”. Este ponto, inclusive, é um dos mais contundentes para combater a insegurança jurídica.

 

Direito à indenização, retenção, uso e gozo até sua efetivação.

O STF no julgamento do RE 1.017.365/SC definiu 3 condicionantes vinculadas ao direito à indenização pelas benfeitorias e também à “terra nua”, sendo que na Lei Federal nº 14.701/2023, o art. 11 estabelece que “verificada a existência de justo título de propriedade ou de posse em área considerada necessária à reprodução sociocultural da comunidade indígena, a desocupação da área será indenizável, em razão do erro do Estado, nos termos do § 6º do art. 37 da Constituição Federal”, definindo, ainda, que a terra nua será indenizável quando se tratar de posse legítima, cuja concessão pelo Estado possa ser documentalmente comprovada”. Ou seja, ao contrário do disposto na motivação do veto presidencial (ora derrubado) o art. 11 da lei se harmoniza com as condicionantes definidas pelo STF, valendo citá-las:

4. Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias, previsto no art. 231, §6º, da CF/88;

5. Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União; e quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização pela União (com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área) correspondente ao valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitidos a autocomposição e o regime do art. 37, §6º da CF;

Vemos que o STF estabeleceu o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso da indenização da terra nua, reconhecendo como válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras. No julgado, o STF projeta esta aplicação sem o marco temporal, o que, necessariamente, deve, a partir da instituição dele pela nova lei, servir de orientação interpretativa para a aplicação do racional que motivou a decisão, agora, com aplicação do marco temporal instituído.

Ponto também importante contemplado no mencionado artigo 11, que se amolda ao quanto acima exposto, é o fato de que não só o justo título, mas também o possuidor de boa-fé terá direito à indenização - “verificada a existência de justo título de propriedade ou de posse ... a desocupação da área será indenizável ...”, garantindo ao possuidor seu direito.

 

Vedação a ampliação de terra indígena já demarcada

O art. 13 da Lei ratifica a vedação à ampliação da terra indígena já demarcada, onde é possível afirmar que tal comando é incontroverso, inclusive na jurisprudência do STF, bastando revisitar as condicionantes estabelecidas no julgamento do caso Raposa Serra do Sol, mais especificamente a condicionante 17 - É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada, texto idêntico ao lançado no art. 13 da lei nova.

O comando taxativo é válido, pois o STF terminou relativizando o prazo decadencial de 5 anos a contar da demarcação anterior no julgamento do RE 1.017.365 – “A instauração de procedimento de redimensionamento de terra indígena não é vedada em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição Federal, por meio de procedimento demarcatório até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão deste julgamento”.

 

Aplicação da nova lei aos processos administrativos não concluídos

O art. 14 determina a aplicação das condições estabelecidas pela nova lei a todo os processos administrativos de demarcação de terras indígenas ainda não concluídos, em tradução do respeito ao ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

Com isso, os processos administrativos não concluídos, com discussões administrativas ou judiciais sobre elementos disciplinados pela nova lei, com sua promulgação e publicação efetivadas, terão a incidência do marco normativo superveniente.


A não violação dos direitos indígenas

A lei não impede ou mesmo veda a demarcação de terras indígenas no país, pelo contrário, apenas deixa claro como ela dever ser feita, à luz do art. 231 da Constituição Federal de 1988.  

Isso fica claro quando disciplina que os indígenas: i) têm direito as suas terras, preenchidos os requisitos da lei (art.4º); ii) se, de alguma forma, foram expulsos das suas terras terão o direito à demarcação (§ 3º do art. 4º); iii) as terras indígenas já demarcadas (concluídas) permanecem intactas, não se aplica a nova lei (art. 14); (iv) manutenção dos vetos no que tange: a retomada de terra por alteração de traços culturais (§ 4º do art. 16); indígenas isolados(art. 28); transgênicos em terras indígenas(art. 30); dentre outros.

Vale citar que as terras indígenas (TIs) no Brasil somam 762 (setecentas e sessenta e duas) áreas, ocupando uma extensão total de 117.896.220 (cento e dezessete milhões oitocentos e noventa e seis mil duzentos vinte) hectares (1.178.962 km2), aproximadamente 13.9% das terras do país são reservadas aos povos indígenas; para uma população de 1.693.535 (um milhão seiscentos e noventa e três mil quinhentos e trinta e cinco) indígenas, em 2022; a área já destinada a eles  é maior do que o território da França (543.965 km2) e da Inglaterra (130.423 km2) juntos, cuja população desses dois países é de 66.370.386 (sessenta e seis milhões trezentos e setenta mil trezentos e oitenta e seis) pessoas na França e 69.406.752 (sessenta e nove milhões quatrocentos e seis mil setecentos e cinquenta e duas) pessoas.[1]

Ou seja, não há violação aos direitos indígenas, que continuam preservados.

 

Expectativas

A Promulgação. O próximo passo é a promulgação da Lei Federal nº 14.701/2023, passando à sua publicação e consequente vigência, tornando-a norma cogente e com produção de seus efeitos.

O exame de constitucionalidade pelo STF. Muito se cogita de possível declaração de inconstitucionalidade da nova lei pelo STF, principalmente pelas condicionantes fixadas no julgamento do RE 1.017.365/SC e possíveis conflitos destas com os dispositivos da Lei Federal nº 14.701/2023.

De igual forma, há quem sustente que as medidas promovidas pela nova lei deveriam ser instituídas por meio de Emenda Constitucional, compreendendo que o quanto disposto no art. 231 da Constituição Federal, fonte do marco temporal, não permitiria interpretação que abrigasse regulamentação por lei ordinária que afirme a sua existência.

Em que pese a existência de construção jurídico-jurisprudencial para tais entendimentos, o racional deve ser visto com reservas. Isto porque, em primeiro lugar, trata-se de lei ordinária que regulamenta disposição normativa indeterminada, que até então não tinha no ordenamento jurídico regulamentação objetiva, o que passa a ter com a nova lei, registre-se, com a autoridade do processo legislativo próprio, inclusive, com ampla maioria.

Com isso, não há que se pautar inconstitucionalidade dos dispositivos da nova lei por afronta a condicionantes definidas pelo STF em julgamento de repercussão geral, em especial, para que não se subverta a prerrogativa e atribuição dos poderes. O que se verifica é que a fixação de condicionantes em sede de julgamento de repercussão geral não pode substituir a função própria e constitucionalmente delegada do Poder Legislativo, em qualquer viés, o local e caminho adequados para pacificação normativa, até por ser dele essa atribuição, por determinação expressa da própria Constituição.

Portanto, não há como se entender, automaticamente, que dispositivos integrantes de lei ordinária que contrariem condicionantes de julgado em repercussão geral pelo STF sejam inconstitucionais por tal motivo, uma vez que o julgado possui conteúdo de condicionamento interpretativo, em tese, justamente por não existir norma que regulamente a questão, sempre e imperativamente desejável que venha do legislador e não do executivo ou judiciário.

Também não nos parece prosperar o raciocínio de que a questão apenas poderia ser tratada em Emenda Constitucional, principalmente por não se tratar de tentativa de alteração da Constituição, mas de regulamentação do art. 231 desta, mais do que justificada pelas próprias longas e plurais controvérsias administrativas e judiciais sobre a configuração do marco temporal, além do fato de que a nova lei não se resume a isso, mas também a outros elementos que instauraram latente insegurança jurídica ao longo de anos.

As apostas se avolumam e o cenário, em análise objetiva e técnica, não permite o entendimento automático de que a Lei Federal nº 14.701/2023 seria inconstitucional, ao mesmo tempo em que tal eventual declaração construirá mais um capítulo de fragilização da separação de poderes e protagonismo normativo do STF em detrimento do Congresso Nacional.

 

[1] https://pib.socioambiental.org/pt/Localiza%C3%A7%C3%A3o_e_extens%C3%A3o_das_TIs acessado em 15/12/2023 às 18:40 

https://brasil500anos.ibge.gov.br/territorio-brasileiro-e-povoamento/historia-indigena/terras-indigenas.html#:~:text=As%20terras%20ind%C3%ADgenas%20do%20Brasil,Inglaterra%20(130.423%20km2)%20juntos. acessado em 15/12/2023 às 18:30 

https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/37565-brasil-tem-1-7-milhao-de-indigenas-e-mais-da-metade-deles-vive-na-amazonia-legal acessado em 15/12/2023 às 18:50 

https://countrymeters.info/pt/France  acessado em 15/12/2023 às 18:55 

https://countrymeters.info/pt/United_Kingdom_(UK)  acessado em 15/12/2023 às 18:56

 

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