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11h32

Invasão: reintegrações de posse a partir da Resolução n° 510 do CNJ – imutabilidade e segurança jurídica

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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução nº 510, de 26 de junho de 2023, que regulamenta a

[...] criação, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça e dos Tribunais, respectivamente, da Comissão Nacional de Soluções Fundiárias e das Comissões Regionais de Soluções Fundiárias, institui diretrizes para a realização de visitas técnicas nas áreas objeto de litígio possessório e estabelece protocolos para o tratamento das ações que envolvam despejos ou reintegrações de posse em imóveis de moradia coletiva ou de área produtiva de populações vulneráveis.1

A Resolução visa implementar o comando decisório do Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 828, não se limitando, mas sobretudo, sobre as Comissões de Conflitos Fundiários no âmbito nacional e regional e o cumprimento das ações de reintegração de posse e despejo decorrentes da crise sanitária da Covid-19. 

A publicação dessa Resolução, à primeira vista, pode gerar uma equivocada interpretação de que seria um novo regramento para o cumprimento das reintegrações de posse e despejo no país, o que não é o caso. Daí a importância da sua correta interpretação para evitar o desvirtuamento da aplicação da lei e preservar a segurança jurídica. 

No presente artigo será feito o recorte para análise apenas das reintegrações de posse.  

 

A Resolução nº 510, a ADPF nº 828 e a Lei Federal nº 14.216/2021 

A correta interpretação da Resolução nº 510 do CNJ é vinculada ao comando decisório proferido pelo STF na ADFP nº 828, que, por sua vez, é atrelado à interpretação da Lei Federal nº 14.216/2021 (que estabelece medidas excepcionais em razão da emergência em saúde pública decorrentes da pandemia da COVID-19). Isso porque a Resolução foi criada para cumprir o quanto determinado na ADPF e, por sua vez, a mencionada lei.  

Essa vinculação é clara pela simples leitura do seu texto, valendo reproduzir à íntegra o segundo e terceiro considerando que assim dispõe: 

CONSIDERANDO que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF n. 828, determina a instalação imediata pelos Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais de Comissões de Conflitos Fundiários;  

CONSIDERANDO que a supramencionada decisão remeteu a este Conselho Nacional de Justiça a atividade de consultoria e capacitação para a constituição das Comissões de Conflitos Fundiários; (grifos adunados) 

Essa análise preliminar é de fundamental importância para se entender que a Resolução nº 510 do CNJ não alterou o quanto já decidido e aplicado no âmbito da ADPF nº 828, tampouco o disposto na Lei Federal 14.216/2021 e jamais poderia o fazê-lo uma vez que vinculado a elas.

 

Reintegrações de posse no âmbito da ADPF nº 828 e sua não aplicação a invasões posteriores a 31/03/2021 ou 20/03/2020 (a depender do caso)   

Se a Resolução em comento, como dito, é vinculada a ADPF nº 828, para sua aplicação, imprescindível conhecer o quanto disciplinado no comando decisório proferido pelo STF. 

Em decorrência do evento da pandemia da Covid-19 o STF, na aludida ADPF, determinou: 

i) inicialmente – durante a pandemia e seus efeitos 

a) a suspensão das medidas administrativas ou judiciais que resultem em despejos, desocupações, remoções forçadas ou reintegrações de posse de natureza coletiva em imóveis que sirvam de moradia ou que representem área produtiva pelo trabalho individual ou familiar de populações vulneráveis para invasões ocorridas antes de 31/03/2021 (art. 7º, I da Lei Federal nº. 14.216/20212), ressalvadas as invasões posteriores a 20/03/2020 e anteriores a 31/03/2021 e que tiveram decisões de reintegração de posse deferidas até 01/12/2021 (data da decisão que determinou a aplicação da Lei Federal nº. 14.216 de 7/10/2021 na ADPF nº. 828)3;  

ii) posteriormente – após o término da pandemia e seus efeitos 

Um regime de transição para as reintegrações suspensas pela decisão anterior, nos seguintes termos4

a) Os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais instalem, imediatamente, comissões de conflitos fundiários que possam servir de apoio operacional aos juízes e, principalmente nesse primeiro momento, elaborar a estratégia de retomada da execução de decisões suspensas pela presente ação, de maneira gradual e escalonada; 

b) Determino a realização de inspeções judiciais e de audiências de mediação pelas comissões de conflitos fundiários, como etapa prévia e necessária às ordens de desocupação coletiva, inclusive em relação àquelas cujos mandados já tenham sido expedidos. As audiências devem contar com a participação do Ministério Público e da Defensoria Pública nos locais em que esta estiver estruturada, bem como, quando for o caso, dos órgãos responsáveis pela política agrária e urbana da União, Estados, Distrito Federal e Municípios onde se situe a área do litígio, nos termos do art. 565 do Código de Processo Civil e do art. 2º, § 4º, da Lei nº 14.216/2021; 

c) As medidas administrativas que possam resultar em remoções coletivas de pessoas vulneráveis (i) sejam realizadas mediante a ciência prévia e oitiva dos representantes das comunidades afetadas; (ii) sejam antecedidas de prazo mínimo razoável para a desocupação pela população envolvida; (iii) garantam o encaminhamento das pessoas em situação de vulnerabilidade social para abrigos públicos (ou local com condições dignas) ou adotem outra medida eficaz para resguardar o direito à moradia, vedando-se, em qualquer caso, a separação de membros de uma mesma família. 

Observa-se dos comandos decisórios exarados que as suas determinações só se aplicam às invasões que ocorreram dentro dos marcos temporais nele estabelecidos, quais sejam, as ocorridas antes de 31/03/2021 (art. 7º, I da Lei Federal nº. 14.216/2021), ressalvadas as invasões posteriores a 20/03/2020 e anteriores a 31/03/2021 e que tiveram decisões de reintegração de posse deferidas até 01/12/2021 (data da decisão que determinou a aplicação da Lei Federal nº. 14.216 de 7/10/2021 na ADPF nº. 828).  

As invasões ocorridas após os mencionados marcos temporais não são alcançadas pela ADPF nº 828. Esse entendimento já foi consolidado pelo próprio STF em vários precedentes como as Reclamações Constitucionais 57238, 5783, 57355 e 55.6205 e outros6. Valendo destacar: 

DIREITO CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. OCUPAÇÃO COLETIVADE ÁREA RURAL, POSTERIOR A31.03.2021, CUJA REMOÇÃO NÃO HAVIA SIDO SUSPENSA POR DECISÕES PROFERIDAS NA ADPF 828. INAPLICABILIDADE DO REGIME DE TRANSIÇÃO. 1.Reclamação em face de decisão judicial que autorizou a reintegração de posse de área rural, com a remoção de ocupação coletiva. Alegação de afronta à decisão proferidanaADPF828 ... No caso, alega-se afronta a essa última decisão, em que se fixou tal regime de transição. Ocorre que (i) a ocupação em análise é posterior a 31.03.2021–marco temporal adotado pelo art.7º da Lei nº 14.216/2021-, não tendo sido beneficiada pelas cautelares proferidas na ADPF 828 e (ii) ainda que assim não fosse, tais decisões não se encontram mais em vigor, tendo o Plenário desta Corte decidido pela não prorrogação do prazo de suspensão e pela retomada gradual das desocupações. 5.O regime de transição estabelecido na ADPF 828 visa à retomada paulatina das desocupações que haviam sido suspensas, não se aplicando, portanto, ao caso dos autos, em que sempre esteve autorizada a atuação do Poder Público para evitar a consolidação da ocupação irregular ...  7.Ausência da necessária relação de aderência estrita entre o ato reclamado e o paradigma apontado como violado. 8.Negadoseguimentoàreclamação. (Rcl 57.238 AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Roberto Barroso, DJe 7.3.2023). (grifos adunados)  

 

Resolução nº 510 e sua não aplicação a invasões posteriores a 31/03/2021 ou 20/03/2020 (a depender do caso)   

Face o exposto acima, a conclusão lógica é uma só - como a Resolução nº 510 do CNJ decorre do comando da ADF nº 828 ela também não pode ser aplicada às invasões ocorridas antes de 31/03/2021 (art. 7º, I da Lei Federal nº. 14.216/2021), ressalvadas as invasões posteriores a 20/03/2020 e anteriores a 31/03/2021 e que tiveram decisões de reintegração de posse deferidas até 01/12/2021 (data da decisão que determinou a aplicação da Lei Federal nº. 14.216 de 7/10/2021 na ADPF nº. 828). 

E não só por este motivo, mas também porque se assim não fosse a Resolução estaria violando a Constituição Federal (CF/88), que garante o direito de propriedade (art. 5º, XXII7), bem como o Código de Processo Civil (CPC) que estabelece que: (i) o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho (art. 560)8; (ii) estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração (art. 562)9; (iii) a duração razoável do processo (art. 139, II)10; dentre outros preceitos constitucionais e processuais. 

A Resolução nº 510 do CNJ, dentro do seu limite de aplicação, não pode descumprir o comando da ADFP nº 828, tampouco contrariar dispositivos legais. Daí a necessidade da sua correta interpretação para que, na prática, seja, também, corretamente aplicada.  

 

A Resolução nº 510, a prevalência da competência decisória do juiz natural e a salvaguarda da segurança jurídica 

Por fim, é importante aclarar que além de não ser aplicada a mencionada Resolução às invasões ocorridas fora do marco temporal estabelecido na ADPF nº 828, a sua aplicação nas invasões que se enquadrem dentro do mencionado comando decisório deve observar as regras e princípios que norteiam a CF/88 e o CPC, não se limitando, mas sobretudo, o direito de propriedade, a duração razoável do processo e a segurança jurídica. 

Vale ressaltar que, como determinado na ADPF nº 828, as comissões que serão formadas, objeto também da Resolução do CNJ, funcionarão “como órgão auxiliar do juiz da causa, que permanece com a competência decisória”, ademais, a “autonomia do juiz da causa na condução da ação deve ser preservada e respeitada”.11   

Portanto, a Resolução não subtraiu (e não poderia) a competência decisória do juízo ordinário, cabendo a ele, em interpretação mais elástica, analisar o caso concreto, as condições do processo, a situação fática do local, as particularidades da reintegração, os procedimentos que podem ser adotados, dentre outros e concluir que os objetivos e diretrizes da Resolução e da ADPF foram e/ou estão sendo atendidos/cumpridas e decidir pela desnecessidade de submissão do caso à Resolução. 

O que se advoga nesta perspectiva é que em casos nos quais estejam asseguradas as medidas dispostas no julgado do STF, que em última análise assegurem a salvaguarda da dignidade da pessoa humana dos vulneráveis, analisando o caso concreto e suas peculiaridades, a aplicação do disposto na Resolução do CNJ pode se revelar desnecessária.  

Esta linha interpretativa, a um só tempo, não malfere as razões de decidir da ADPF, tampouco a Resolução, evita a oneração da administração judiciária, não submete casos desnecessários a procedimento repetitivo e meramente burocrático, dentre outros entraves. Ademais, nessa hipótese restarão cumpridos e respeitados os já mencionados princípios do juízo natural, legalidade, efetividade/celeridade processual, duração razoável do processo e, ao fim, resguardado o direito de propriedade e a segurança jurídica.

Por Flávio Santos, sócio e diretor da área de Direito Civil e Contencioso da MoselloLima Advocacia.

 

1. https://atos.cnj.jus.br/files/original13433320230628649c3905c2768.pdf acessado em 16/07/2023

2.  Art. 7º As medidas de que tratam os arts. 2º e 3º desta Lei:
     I - não se aplicam a ocupações ocorridas após 31 de março de 2021;

3. https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6155697 acessado em 16/07/2023

4. https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15354516286&ext=.pdf acessado em 16/07/2023

5. https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15356007545&ext=.pdf acesso em 16/07/2023
    https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15355344795&ext=.pdf acesso em 16/07/2023
    https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15355389463&ext=.pdf acesso em 16/07/2023
    https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15357204945&ext=.pdf  acesso em 16/07/2023

6. Reclamação n. 58.100, Relator o Ministro Roberto Barroso, DJe 31.3.2023; Reclamação n. 57.283, Relator o Ministro Roberto Barroso, DJe 14.12.2022; Reclamação n. 57.364, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, DJe 14.12.2022 e  Reclamação n. 57.560, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe 1º.3.2023.

7. Art. 5º [...] XXII - é garantido o direito de propriedade;

8. Art. 560. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho (CPC).

9. Art. 562. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração, caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada.

10. Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: [...]
      II - velar pela duração razoável do processo;

11. https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15354516286&ext=.pdf acessado em 16/07/2023 

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